Sunday, December 26, 2010

O PRIMEIRO AMOR AO REINO DE DEUS


São lindos os primeiros dias, meses e anos de conversão. "Ficamos como quem sonha", usando as palavras finais de Salmos 126.1, ainda mais para quem não teve qualquer direcionamento cristão de família na infância, ficando à mercê de vizinhos e colegas, que eram os que me convidavam para as reuniões de suas comunidades religiosas.
Meus primeiros contatos com o cristianismo aconteceram em uma igreja metodista, na verdade uma congregação. Minha mãe e eu atendemos o convite de um casal vizinho. A gentil senhora era membro da referida igreja, enquanto seu esposo era da igreja batista da pequena cidade chamada Miracema, situada no extremo noroeste do RJ. Com pouco tempo, a congregação metodista fechou, por decisão de sua sede na cidade vizinha de Santo Antonio de Pádua. Passamos então a frequentar irregularmente a igreja batista, onde por dois anos consecutivos cheguei a participar dos programas de Natal. Ali, minha mãe ganhou uma Bíblia, a primeira que adentrava nosso conturbado lar.
Depois que nos mudamos para outro bairro, já não tínhamos vizinhos evangélicos. Meus amigos agora frequentavam o catecismo na igreja católica matriz da paróquia. Tinha cerca de 9 anos de idade. Contudo, a Bíblia que minha mãe ganhara continuou nos acompanhando. Costumava ler aquela Bíblia em voz alta para uma velhinha que morava com meus avós adotivos. Era a vó Madalena, como eu a chamava, irmã de meu avô, que apreciava ouvir minhas leituras bíblicas enquanto ia tecendo seus crochês. Depois de crescido, quando a vi pela última vez já doente e vendo a morte se aproximar, ela me falou que sempre se lembrava dos tempos em que ouvia minhas leituras da Bíblia. Era muito católica, mas não tinha preconceitos contra ouvir leituras em uma Bíblia protestante, principalmente por um menino que ela admirava muito e fazia questão de comentar com outras pessoas sobre a facilidade com que ele aprendera a ler tão rápido e bem.
Mas meus amigos católicos me convidaram para participar do catecismo e lá fui eu. Aprendi muito sobre Jesus e os santos católicos. De vez em quando ganhava algum santinho como recompensa pelas respostas corretas que, ao final da aula, a catequista fazia aos alunos. Não me lembro de ter aprendido tanto nas igrejas evangélicas que frequentara antes, talvez por ter sido uma frequencia muito irregular. No catecismo, a frequencia era assídua e pontual, pois queria estar lá com meus estusiasmados colegas. Terminado o ciclo de aulas no catecismo, chegara o momento de receber a primeira comunhão. Minha mãe fez questão de preparar aquelas roupinhas brancas que se usavam na época. Ficou faltando apenas um lacinho ou algo parecido que os meninos usavam fixos no braço esquerdo, quase à altura dos ombros. Mas um colega me emprestou o dele apenas para tirar a foto histórica, que guardo até hoje com carinho.
Os momentos que antecederam a primeira comunhão foram, sem dúvida, emocionantes. Depois da confissão auricular com o sacerdote, a diretora do catecismo se ajoelhava com cada um e os envolvia com um abraço terno, procurando valorizar muito aqueles momentos, carregando-os com a emoção de palavras estimuladoras que soavam como poesia. Uma música que buscava valorizar o catecismo era entoada pelos próprios alunos. Lembro-me apenas de que o primeiro verso dizia que o catecismo consola, o segundo fazia uma referência à cruz e terminava: "quem não frequenta a escola não sabe amar a Jesus".
Mas a emoção daqueles momentos se esvaiu aos poucos, diante das realidades vividas e observadas. O formalismo ritual e outras ênfases daquele catolicismo não mantiveram o mesmo foco em Jesus, conforme sentira no catecismo. Daí para o "deixa a vida me levar" na adolescência foi rápido, mesmo que a personalidade de Jesus Cristo continuasse a me impressionar quando o cinema exibia filmes sobre ele ou pelo menos fizesse menção dele.
Ainda na adolescência, aos 17 anos, minha mãe se separou de meu pai adotivo e foi morar em São Gonçalo, cidade próxima ao grande Rio. Fiquei em Miracema até completar aquele ano letivo (1967). No ano seguinte fui juntar-me a ela. Conheci novos amigos, católicos e espíritas. Não era ainda o tempo de Deus para uma amizade evangélica que me conduzisse de novo às Escrituras. Quem se tornou o amigo mais próximo era de família duplamente espírita: às terças-feiras eram kardecistas, aos sábados, umbandistas. Com ele, passei a frequentar as duas reuniões. Como sempre acontece quando espíritas recebem novos participantes assíduos, disseram que eu era médium e deveria desenvolver a mediunidade. Aí fui eu, começando pela mesa kardecista. A vida pessoal, contudo, não sofria qualquer mudança para melhor. Com esse mesmo amigo e outros amigos dele acabei experimentando maconha. Graças a Deus a experiência foi muito ruím: a droga não me levou às nuvens, antes pelo contrário, levou-me aos abismos da depressão, em pleno carnaval, quando tentava me divertir. Vieram experiências ruins também com a saúde, contaminado que fui umas duas ou três vezes com DST. Como consequência, vinha o desespero, ao ponto de clamar por socorro às entidades da umbanda no centro onde frequentava. Parecia que os medicamentos não faziam efeito ou demoravam a fazer.
Profissionalmente, era um simples operário da tipografia. Mas acabei entrando em uma aventura que deu errado. Pedi que o patrão me demitisse para que pudesse sacar o FGTS e aplicar o produto em um disco de carnaval. Compuz uma marcha que tomou o nome de "Jardim de Carnaval", gravada por um iniciante chamado Haroldo Silva. Ainda dei parceria a outros dois aventureiros como eu, um deles achando que a música prometia. Mas, ao final, foi um dinheiro totalmente jogado fora. Um dos parceiros, o que mais investiu na divulgação da música, disse depois que tinha "entrado em uma fria". Na mesma época, buscava trabalhar no rádio. A princípio fui usado como repórter de campo, em jogos de futebol amador de Niterói. Depois fui para o estúdio, onde ficava como locutor de plantão. Queria ser locutor e cheguei a fazer testes no Rio em uma rádio de menor expressão. Mas, como nada sabia de Inglês, fui reprovado.
Acabei me satisfazendo mesmo com o simples emprego de operador de transmissores, ganhando um salário mínimo por mês, quando a rádio em que vinha trabalhando como amador foi vendida para o hoje extinto grupo Bloch, que viria depois a ser a rádio Manchete. No inicio, achava gratificante, mesmo ganhando muito pouco, porque estava em contato com o mundo do rádio. Porque trabalhava ouvindo música o dia inteiro, no auge dos melhores sucessos de Chico Buarque, Roberto Carlos, Jackson Five, etc., achava isso o máximo. O trabalho consistia apenas de ligar, vigiar as oscilações do transmissor durante o dia e desligar ao fim do dia, conforme o horário de trabalho. Não havia esforço físico nem mental. Depois de algum tempo, o tédio chegou. O salário minguado começou a incomodar, especialmente porque dívidas se acumulavam. Fui então pedir aumento de salário, mas demissão foi a resposta. Tentei cobrar horas extras na justiça, mas acabei sendo enganado e induzido a assinar um acordo, no qual não ganhei muita coisa ou mesmo nada.
Voltei a trabalhar em tipografia. Nessa volta, conheci um colega que frequentava a Primeira Igreja Presbiteriana de Niterói. Convidado a comparecer, atendi. No dia 10/06/1972 voltava mais uma vez a entrar em uma igreja evangélica. Antes, em 1968, tinha atendido o convite de outro colega, de outra tipografia, para visitar uma igreja metodista. Mas nada, absolutamente nada, me moveu a voltar ali, nem mesmo a bela irmã daquele colega que procurava me fazer o máximo de agrados que podia. No entanto, a visita àquela igreja presbiteriana em Niterói mexeu com minha mente e coração. Foi no momento certo, após várias decepções religiosas, afetivas, estudantis e profissionais. Era uma reunião de jovens onde uma moça falava e desafiava com simplicidade e convicção. Decidi que iria frequentar aquele grupo, que se reunia aos sábados. Poucos dias depois passava a frequentar todos os trabalhos da igreja: reuniões de oração, estudos bíblicos, a escola e os cultos dominicais. Mais um pouco e já estava matriculado na classe de catecúmenos, sendo preparado para a profissão de fé e batismo. Não me lembro ao certo, mas creio que mesmo antes de estar na classe de catecúmenos, já pedia ao tesoureiro da igreja um envelope de dizimista.
A luta contra o pecado continuava, mas a alegria daquela nova comunhão era indizível. Logo algo interior me levou a dizer para alguém que eu iria para o seminário. Aquilo tomou corpo, até que decidi conversar com o pastor, Rev. Felipe Dias. Não esperava tanto entusiasmo dele. Acabei sendo recebido como aspirante pelo Conselho ainda naquele ano, com menos de 6 meses de convertido e menos de 3 meses de professo e batizado. O Presbitério de Niterói aprovou minha candidatura naquelas condições, mesmo havendo quem não acreditasse muito em mim, talvez pela imaturidade. Creio que o fator que mais pesou na aprovação foi meu espírito decidido e de entrega à fé no evangelho, que era muito notado e comentado.
Cheguei ao Seminário Presbiteriano do Sul em fevereiro de 1973, sem idéia do que já era o mundo evangélico dividido em tradicionais, pentecostais, renovados e liberais. Devido ao meu espírito piedoso, fui mais atraído pelos de tendência pentecostal, que me pareciam mais comprometidos com o reino de Deus. Encantei-me com a primeira devocional de que participei na capela do seminário, principalmente porque foram entoados dois dos hinos de que mais gostava, frequentemente executados em minha igreja de Niterói. Isso me fez sentir totalmente em casa. Ainda vivia o sonho daquele primeiro amor ao reino e isto se estendeu por todos os anos do seminário.
Creio que foi em 1974 que comecei a usar minha musicalidade para dar expressão àquela vida de sonhos. A primeira música que compus tinha mesmo que falar de minha conversão. Não sei como, mas a idéia da construção de um edifício me veio à mente. Um edifício que eu pensara em construir, durante toda a minha vida, no terreno baldio do meu coração, mas sequer conseguia remover todo o entulho de sujeira que estava ali. Eu jamais poderia construir esse edifício. Um edifício de amor em coração de pecador só o poder de Deus em Jesus Cristo pode construir.
A música, de início, recebeu o nome reduzido de "O Edifício". Em 1975 a gravei em estúdio para reprodução de algumas dezenas de fitas cassete. Fiz uma distribuição doméstica e gratuita para meus colegas e irmãos mais próximos. Agora, em 2010, voltei a grava-la, com algumas modificações. O título foi acrescido para "Edifício de Amor". A letra sofreu algumas alterações em função do amadurecimento poético e teológico, mas a mensagem permaneceu a mesma. Mesmo quando tinha paz passageira foi alterado para Mesmo quando estava pra brincadeira.
Pois era fraco e um fraco não ganha ficou muito melhor na expressão Os desacertos da fraqueza não ganha. A frase que se referia à paz obtida "do fundo" foi substituída por De sua paz derramada eu me inundo. Se eu dizia antes que O alicerce é a Palavra de Deus, prefiro agora substituir Palavra por Escritura, para especificar que estou me referindo à Bíblia e não a um conceito subjetivo de Palavra, como fazem os barthianos e os que consideram as Escrituras apenas um registro de experiências religiosas dos que escreveram suas diversas partes. A última frase, Que me acolheu ao meio dos filhos seus, é cantada agora Que me incluiu na aliança dos seus, para me identificar como crente na aliança de Deus com Abraão e toda a sua descendência, não a de carne e sangue, mas a da fé.
Apesar dessas alterações, a música permanece representando bem aquele período de primeiro amor ao reino de Deus em minha mente e coração, que eu situo entre 1972 e 1976.
Confira a canção AQUI. Aparece uma foto de 1970, antes de acontecer a conversão, quando o terreno baldio do coração era ainda um entulho de sujeira sem nenhuma perspectiva.

Wednesday, September 08, 2010

INTERAÇÃO AUTOR/TEXTO/LEITOR NA BUSCA DAS ESCRITURAS

A disciplina Português 2, do curso de Validação de Créditos de Bacharel em Teologia que fiz em 2006, requereu dos alunos um trabalho sobre a interação entre o autor e o leitor na comunicação escrita. Em meu trabalho, de duas páginas mais um parágrafo (leia todo o texto aqui), defendi que essa interação depende, antes de tudo, do grau de interesse do leitor pela produção do autor. O próprio autor, ao produzir suas obras, já reage também como leitor em equivalente grau de interesse por determinados assuntos.

É claro que esse grau de interesse existe apenas no leitor verdadeiro, que não é aquele simples consumidor de ideias passivo e inconsequente. Esta espécie de leitor, na verdade, faz apenas leitura superficial ou seu campo de conhecimento é muito limitado sobre o assunto abordado. Não consegue interagir efetivamente com o texto, o que se percebe em seu diálogo com ele, em assentimento ou oposição. Não havendo leitura atenta e nem capacidade de associar o texto com outros discursos, a interação do leitor com o texto e seu autor fica evidentemente prejudicada.

Como isto se aplica na leitura da Bíblia?

Primeiro, como isto se aplicou nos próprios autores humanos das Escrituras? Os que creem na inspiração plenária e verbal das Escrituras estabelecem a priori que seu autor primário é o Espírito Santo. Mas os autores humanos não foram meros instrumentos secundários, como um Chico Xavier psicografando mensagens do além.

2 Pedro 1.21 nos revela que “homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo”. Este mover do Espírito não os anulava nem lhes ditava termos e frases, mas os conduzia em interação pessoal consciente com os assuntos que abordavam de tal forma que podemos afirmar que sua autoria humana na verdade vem a ser uma coautoria. Eles são responsáveis pelo que escreveram, pela forma como interpretaram suas visões, sonhos, a literatura disponível a eles, além de fatos históricos precedentes e de seu próprio tempo, dos quais fizeram leitura atenta e sóbria. Foram autores humanos primários que interagiram, por comunhão de interesses, com o autor divino. O Espírito Santo, por sua vez, lhes preparou previamente o respectivo campo de conhecimento para que pudessem efetuar seus registros com autoridade e credibilidade.

Não é diferente nos que são alcançados pela graça em todos os tempos, analfabetos e letrados. Analfabetos e surdos-mudos podem ler as Escrituras no ouvir a pregação e observar a vida da igreja quando esta se torna plenamente interativa com os autores humanos da Bíblia, no mesmo grau de equivalência em comunhão de interesses que estes tiveram com a obra do Espírito Santo. É claro que o diálogo dos letrados com o texto inspirado por Deus tem que se tornar mais quantificado e qualificado. Mas não pode haver diferença quanto ao grau de interesse que apóstolos e profetas manifestaram ao lidar com a gloriosa e soberana obra que o Deus de Abraão realizava neles e no mundo de seu tempo, dentro e fora da igreja.

O Espírito Santo produz nos que são efetivamente chamados um tipo especial de inteligência – a inteligência espiritual – que já vem acompanhada de especial grau de interesse em toda obra de autoria do Altíssimo. Assim, eles vivem em constante interação e coautoria com todos os autores humanos da Bíblia e, principalmente, com seu Autor Santo, que é sua causa primária.