Jacó tinha
duas esposas que se tornaram rivais em uma briga sem fim pelo marido, apesar de
serem irmãs. Por causa disto, na prática, ele acabou ficando com quatro
mulheres, pois cada uma das duas esposas acrescentou combustível nas chamas da
rivalidade ao colocarem suas respectivas escravas à disposição dele para que
continuassem a ter filhos para elas. Era um tipo antigo de “barriga de
aluguel”. Só que alugaram o marido também. Bila, escrava de Raquel, gerou duas
crianças que foram considerados filhos de sua senhora. Zilpa, escrava de Lia,
fez a mesma coisa a mando desta.
Jacó gerou
nos primeiros anos, de Lia, a Rubem, Simeão, Levi
e Judá. Depois disso, vendo Raquel que
não conseguia ser mãe (Lia 4 x 0 Raquel), colocou sua serva Bila à disposição
do marido e dela foram gerados Dã e Naftali (Lia 4 x 2 Raquel). Mas Lia se
apressou e usou o mesmo artifício, colocando sua serva Zilpa para coabitar com
Jacó. De Zilpa foram gerados Gade e Aser (Lia 6 x 2 Raquel). Depois disto, a
própria Lia voltou a conceber e deu à luz a Issacar,
Zebulom e Diná,
(a única filha que Jacó teve). Lia ampliou sua vantagem nesse jogo de mau gosto
(9 x 2).
Depois desses
dez filhos e uma filha, o Senhor abençoou Raquel fazendo-a reprodutiva. Deu à
luz a outros dois filhos de Jacó, José e
Benjamim. Lia acabou vencendo esse
lamentável jogo por 9 x 4. Mas Raquel era a mulher que Jacó mais amava. Os dois
únicos filhos que ela deu à luz foram os preferidos de Jacó dentre todos os
demais e foram eles os protagonistas destacáveis na migração da família para o
Egito, especialmente José, que se tornou o governador ali.
Todos os
filhos de Jacó, exceto Benjamim, nasceram quando ainda trabalhava para seu
sogro (Gn 29.31-34 e Gn 30.1-25). Algum tempo depois do nascimento de José,
Jacó conseguiu se livrar do jugo de seu sogro e voltou para a terra de seus
pais. Benjamim nasceu bem depois, no meio das peregrinações da família, após
partir de Betel e faltando pouco para chegar a Efratá. Raquel morreu no parto
de Benjamim (Gn 35.16-18), o que fez desse caçula ainda mais especial pra ele,
depois que perdeu José, a quem julgava morto.
Será que Diná foi uma adolescente
desocupada e curiosa?
Imaginemos a
única menina educada em uma família permeada de homens gerados de quatro
mulheres, inclusive duas escravas. Até o tempo em que habitaram em Siquém, eram
11 rapazes e ela, a única moça. Quantas indagações não teriam tomado conta de
seus pensamentos? Sendo filha de um pai rico, tendo 11 irmãos para cuidar de muitas
coisas, além de vários servos e servas que se ocupavam de muitos afazeres para
a família, o que sobrava para a moça fazer? Escolas nem existiam, mas talvez pudesse
aprender pelo menos a ler em casa, mas isto não era para mulheres... Assim, sobrava muito tempo ocioso.
Aquele
contexto de vida deve ter gerado muita curiosidade em sua mente tão jovem. Para
uma moça sem quase nenhuma ocupação, a curiosidade se torna um perigo. É melhor
matar a curiosidade estudando, trabalhando ou conversando com os pais e pessoas
mais maduras da família. O pior é quando a curiosidade induz a alguma aventura.
Os desdobramentos podem ser os piores possíveis. Diná deveria ter entre 16 e 18
anos incompletos quando quis matar a curiosidade sobre as moças daquela terra
onde sua família morava.
A família de
Jacó – suas duas mulheres, as duas escravas e todos os filhos que resultaram
daí estavam morando próximos à terra de Siquém, cujos moradores eram parte dos
cananeus idólatras e de baixo senso de justiça e moral. Provavelmente não houve
qualquer conversa orientadora de Jacó e Lia com ela. Era preciso orientá-la e
preveni-la dos perigos que aquela terra oferecia.
Curiosa,
resolveu sair para ver as moças da terra. Estava buscando fazer amizades com
outras jovens de sua idade. É natural que, sendo a única moça da família, se
sentisse só. Mas ela não tinha a menor ideia da cultura permissiva dos
habitantes do lugar. Os príncipes da terra achavam natural seduzir uma jovem,
prendê-la em casa e só depois, se agradassem dela, pedi-la em casamento.
Sua
curiosidade custou muito caro a ela e a todos os homens de Siquém. O príncipe
da terra que dava nome à cidade se encantou com a beleza da menina, levou-a
para sua casa e a seduziu. Não deve ter havido violência, pois Siquém se
apaixonou mesmo e buscava falar ao coração dela. Mesmo assim, foi uma sedução
que hoje se classifica de estupro de vulnerável. E teve desdobramentos
lamentáveis.
Diná não deve
ter saído sozinha. Jacó e Lia não o permitiriam. Talvez estivesse acompanhada
de uma ou mais servas da casa. Contudo Jacó não contava que, mesmo acompanhada,
ela corria o risco de ser molestada. Um ou mais acompanhantes não impediriam
abusos dos dominadores da terra. Somente estar acompanhada explica como Jacó
ficou sabendo imediatamente do acontecido entre ela e Siquém. As acompanhantes
teriam voltado e contado como Diná foi recolhida à casa de Siquém e ficou
retida por lá. Talvez Diná tenha tido até oportunidade de contar às prováveis
acompanhantes o que lhe acontecera depois de consumado. Comunicaram, então, a
seu pai.
A verdade é
que Diná teve uma experiência traumatizante que não imaginava ter enquanto era
seduzida por Siquém. Jacó, quando recebeu a notícia, se calou e aguardou a
chegada de seus filhos. Depois que eles ficaram sabendo, ficaram indignados –
irados com ânsias de matar. Siquém propôs reparar o erro, pedindo-a em
casamento, primeiro através de Hamor, seu pai, e depois ele mesmo falou a Jacó.
Jacó ficou
muito abalado, mas não parece que ficou com pensamentos de vingança. Contudo
Simeão e Levi, também filhos de Lia como Diná, ficaram transtornados de ódio.
Contiveram-se a princípio para preparar uma armadilha mortal para Siquém, seu
pai e todo o povo da terra. Fingiram aceitar a proposta de casamento com a
condição de que todos os siquemitas fossem circuncidados. A condição foi
aceita. Hamor, Siquém e todos os homens da cidade se submeteram à circuncisão.
No terceiro dia, o corte da circuncisão estava bem inflamado e a dor era mais
intensa, enfraquecendo sobremaneira os varões. Foi fácil para Simeão e Levi,
somente os dois, matar todos os homens ao fio da espada, inclusive Hamor e
Siquém. Seus demais irmãos vieram e saquearam a cidade, tomando para si todos
os bens disponíveis, além das mulheres e crianças para servirem como escravos.
Foi uma fase
negra na vida de Israel. Deus os predestinara para ser bênção para todas as
famílias da terra, mas ali houve imprudência, ódio, vingança, morte e dor. E
tudo começou com o despreparo de uma adolescente com pouca ocupação e cheia de
curiosidade. Mas os servos de Deus podem aprender as mais preciosas lições com
seus próprios erros. Jacó deve ter aprendido muito ali. Diná aprendeu também,
ainda que provavelmente deva ter passado o resto de sua vida sozinha por força
da cultura de sua época. Não foi possível esconder sua humilhação de todo
mundo.
Há muitas
lições a serem aprendidas desse contexto familiar conturbado e suas
consequências na vida de Diná.
1 – A bigamia
ou poligamia não foi determinada por Deus. Ele apenas a tolerava e sabia de
suas consequências. Queria que os próprios homens aprendessem na prática.
Podemos observar que em todos os casos narrados nas Escrituras há rivalidade
entres as esposas e concubinas, além de estresses vividos pelo marido. A
educação de filhos fica prejudicada e pode ter consequências danosas. O que
aconteceu com Diná foi uma das consequências lamentáveis.
2 – Quanto
mais vulnerável é um filho ou filha, mais necessidade de ocupação precisa ter
sob as vistas dos pais. Aliás, desocupação é um perigo para qualquer pessoa,
até para um idoso. Mas devido às energias e curiosidade natural, os jovens são
mais necessitados de ocupação, principalmente o estudo.
3 – Uma das
ocupações imprescindíveis aos filhos é o tempo de conversa com os pais, para
receberam orientação, que pode ser chamada também de disciplina preventiva.
Quem aplica bem a disciplina preventiva raramente vai precisar lançar mão da
disciplina punitiva. O que atrapalha muito uma família no repasse de disciplina
preventiva são seus problemas de relacionamento. A família de Jacó, em face da
rivalidade entre as duas esposas e do uso até de escravas para gerar filhos,
não podia ter um bom relacionamento. Impossível relacionar-se bem e livremente,
em um contexto assim, mesmo que fruto de costumes culturais. Os filhos sofrem
as consequências, aprendendo a cultivar rivalidades, sentimentos revanchistas,
além de acharem que os jovens de outras famílias são mais felizes. Não seria
por isto que Diná estava curiosa por conhecer as moças daquela terra?
4 – A
orientação ou disciplina preventiva deve ser realista. O mundo não é um conto
de fadas. “O mundo inteiro jaz no maligno”, diz a Bíblia (1 João 5.19). Há
predadores por toda parte. Ninguém deve ser superprotetor, mas é preciso
ensinar os jovens a se protegerem evitando todo caminho que ofereça perigo.
Parece que Diná não recebeu essa disciplina preventiva. Deve ter saído com o
coração cheio de poesias, envolto em contos de fadas e de príncipes encantados.
Mas a realidade é dura. É preciso ensinar os jovens a se guardarem de todo tipo
de perigo, seja para o corpo ou para a alma. O cristianismo das redes sociais
está tendendo mais para o romantismo poético e a autoajuda, mas só as
Escrituras lidas cristocentricamente podem tornar sábio o coração e a mente dos
jovens.
5 – Quando
não se tem prevenção, sobra frustração. Da frustração, vêm atitudes de revolta,
de vingança, traição e violência. Todos os desdobramentos da exposição de Diná
a um povo com pouco ou nenhum senso de justiça e moral deu no que deu.
Vulnerável, acabou seduzida. O ato de Siquém lançou chamas nos pavios de
dinamite do ódio no coração dos irmãos dela. A explosão foi inevitável. Com
isso, vieram as mortes, os saques e o cativeiro de mulheres e crianças.
6 – Sem o
senso de mudança de coração, a proposta é religião. Os irmãos de Diná
propuseram apenas um rito religioso – a circuncisão. Mas sem arrependimento, mudança de mente ou novo nascimento, nada se repara
– relacionamentos não se refazem, o perdão não é pedido nem concedido. De nada
adianta exigir que alguém faça profissão de fé ou seja batizado se não houver
verdadeira mudança de coração. De nada adianta ser filho de crentes e estar
integrado na igreja sem não houver temor de Deus. Jesus tocou no âmago dessa
questão ao dizer a Nicodemos: “Se alguém não nascer de novo não pode ver o
reino de Deus. [...] ...importa-vos nascer de novo” (João 3.3,7).
Tomara as
famílias cristãs compreendam os alvos de Deus para elas. Como filhas de Abraão
pela fé em Jesus Cristo, são predestinadas para ser bênção para as demais
famílias. É necessário ter muito bom relacionamento interno e poderem viver a
plena liberdade em Cristo. É necessário que pais tenham autoridade do viver no
caminho para que os filhos acolham a disciplina preventiva com entusiasmo.
Saibam os jovens que, enquanto os reinos deste mundo não passarem a ser
amplamente dominados por Jesus Cristo, haverá predadores por toda parte. Há
muito do que fugir, muito a evitar. Saibam, especialmente, que o principal é
ter a transformação total do coração e da mente. Nada de simplesmente viver sob
uma capa religiosa.
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