Tuesday, April 07, 2009

SÍNDROME DE BABILÔNIA

É notável a forma como o profeta Isaías pronuncia imprecações sobre a antiga Babilônia, conforme se lê na Bíblia (Isaías 47 e outros). Uma das causas foi o flagrante espírito cultural de arrogância da cidade: “Eu e nada mais que eu” (47.8,10 – BÍBLIA SAGRADA. São Paulo, Editora “Ave Maria” Ltda. Edição Claretiana, 1973). Este mesmo espírito também é denunciado por outro profeta, referindo-se aos etíopes e aos assírios: “Eu e só eu” (Sofonias 2.15, Ibid).
Desde então esse “babilonismo” pode ser atribuído a quaisquer povos, ideologias, facções políticas, esportivas, religiosas – enfim, toda e qualquer instituição que se julgue acima de tudo e de todos. Tal espírito não se manifesta com frequencia rotineira, mas, conforme as circunstâncias o exijam, pode emergir com agressividade irracional.
Nota-se ser esse o caso da Igreja Católica Apostólica Romana, representada pelo arcebispo de Olinda e Recife diante da interrupção da gravidez da criança de 9 anos, fruto do abuso sexual do próprio padrasto. A instituição se vê como a única que pode falar em nome de Deus – “Eu e nada mais que eu”, imitando Babilônia, e “eu e só eu”, ecoando a convicção dos etíopes e assírios, conforme acima referido.
Aliás, tem sido este o posicionamento oficial da instituição diante de todas as demais confissões cristãs, que são reduzidas a simples “comunidades eclesiais”. A verdadeira Igreja é somente a de Roma – “Eu e nada mais que eu”. Há poucos anos isto foi reafirmado oficialmente com todas as letras.
Esta síndrome de Babilônia é o que engessa e imobiliza a instituição em sua ética inconsistente, que produz sua cosmovisão dualista e a faz supor que recebeu um poder temporal acima de tudo e de todos, inclusive acima de qualquer poder de Estado. Obviamente, tal espírito contagia fiéis, tanto os simples quanto os letrados, e os impede de enxergar a plena justiça em um caso como este.
Mas por que, enquanto vários fiéis apóiam o arcebispo de Olinda e Recife, muitos outros também católicos se manifestam indignados com o posicionamento dele? É porque estes últimos estão livres dessa síndrome. Assim, têm facilidade de reconhecer a mão de Deus agindo também fora das fronteiras da instituição. Estejam certos ou errados, para eles, a ação da mãe e dos médicos, ou de quem quer que tenha agido pela interrupção da gravidez da menina, foi a verdadeira ordem de Deus nesse caso.

2 comments:

Jorge Fernandes Isah said...

Pr. Marcos,
Boa reflexão. Apenas não concordo que todos os católicos que optaram pelo aborto dos gêmeos tinham a compreensão da soberania de Deus. Em sua maioria, os católicos são semi-pelagianos, e creem profundamente no livre-arbítrio humano, e consequentemente, nas obras de justiça.
Portanto, os que reprovaram a atitude do bispo o fizeram exclusivamente por razões humanísticas e liberais, crendo que o corpo da mulher pode ser disposto da forma como ela julgar melhor, numa total "independência de Deus". E sabemos como é o julgamento humano quando não se tem a sabedoria de Deus, alheio ao Evangelho de Cristo...
Em relação à soberania divina, pergunto:
1)Deus não estabelece o pecado para os ímpios "encherem sempre a medida de seus pecados"? (1Tes 2.16). Não parece ser esse o caso?
2)Mesmo Deus determinando o pecado, não é justo nos indignarmos, rejeitando-o? À luz da palavra não deve ser essa a nossa atitude?
Um forte abraço, e parabéns por retornar ao "convívio" virtual.

Unknown said...

Com certeza. É assim também que entendo. Mas semi-pelagianos também admitem uma "ordem de Deus", embora não da forma agostiniana. No texto, ordem de Deus para os católicos críticos do arcebispo não significa direção soberana dos atos humanos, mas a vontade divina para aquele caso específico.
Podemos, inclusive, nem concordar com o aborto realizado. Meu objetivo foi demonstrar que há muitos católicos que não aceitam a tese de que só a Igreja de Roma seja a única verdadeira e que estão dispostos a confrontá-la quando interpretam a voz de Deus de outro modo.